sábado, 9 de maio de 2020

Desvio de rota



Eu estudava longe de casa e de segunda a sexta-feira eu fazia um percurso de cento e quarenta quilômetros.
Certo dia, deixei de ir em ônibus e preferi fazer o caminho de moto que era mais rápido e mais prático. Verifiquei tudo e parti em direção a Rodovia dos Imigrantes, caminho já conhecido pro mim. Cheguei para a aula sem problemas e ao fim de uma tarde muito produtiva de estudos, observei na saída do edifício que durante o tempo passado lá dentro, uma tempestade se formava rápida e turbulenta.
Eu não havia me preparado pra isso, tanto que não havia levado roupa protetora de chuva, mas confiava que antes que o temporal me atingisse, eu chegaria a tempo em casa.

Saí do estacionamento em direção ao centro da cidade e logo me deparei com os semáforos que pareciam mais demorados do que o costume. Acessei a Rodovia Anchieta com a intenção de me livrar rápido de seu intenso tráfego de caminhões que seguiam, em sua maioria para o porto de Santos e então, aliviado, peguei o acesso que me levaria a Imigrantes, que por sua vez me levaria rapidamente pra casa.
Como era fim de tarde, o clarão vespertino de repente havia se apagado e uma chuva fina me alcançou. Com pressa de não molhar-me mais, acelerei próximo do limite da rodovia mas o bom senso pela pista estar molhada me chamou a razão e desacelerei. Já aceitava como certo o “caldo” que levaria, sendo que instantes depois meu problema seria outro.

Enquanto divagava sobre a chateação que aquela chuva me causava, sem perceber, peguei um acesso que seguia para o interior do estado, que me afastava cada vez mais do meu destino. Depois de alguns minutos ao notar algo errado, liguei o GPS que eu tinha acoplado no painel e então vi o quanto eu já distava da minha rota original e o pior é que o retorno mais próximo ficava a dezenas de quilômetros e eu não tinha combustível suficiente para tanto. Minha tranquilidade virou uma enorme apreensão, enquanto a tempestade caía, o combustível se esvaía, carretas enormes passavam a toda velocidade por mim e eu já me imaginava no mínimo, passando a madrugada na estrada, sem poder ligar o celular embaixo de chuva e no máximo, morto embaixo daqueles eixos enormes.
Mas então resolvi parar no acostamento, me acalmar, e então calcular o que poderia fazer. Decidi buscar no mapa eletrônico, minha posição real e buscar mais rotas possíveis e um caminho alternativo apareceu na tela. Para minha grata satisfação, calculei que o que eu tinha de combustível era possível chegar a uma cidade que certamente teria um posto de combustível, que me resolveria a vida naquele momento. E assim eu fiz.
Imagine a alegria de encontrar um posto e ver a pessoa “mais linda do mundo”, motivo do meu sorriso: um frentista que eu nunca havia visto na vida!

Uma vez abastecido, segui de volta pra casa e a chuva já não me incomodava, nem o frio, nem a escuridão, nem o tempo perdido. O alívio de voltar em paz tornara todos os outros desconfortos em nada.
Daquele momento aprendi coisa para o tempo presente: aprendi que costumamos pegar estradas conhecidas na vida mas essa mesma estrada pode ser perdida, a depender do fator tempo, clima; aprendi que o desespero vem, mas que saídas também existem, muitas vezes não são as desejadas mas nem por isso deixam de ser saídas; aprendi que calma em meio ao desespero é possível embora muitas vezes nos pareçam impossível, mas ela funciona apenas se for solidificada em tempo de céu azul e vento fresco no rosto; aprendi que nem sempre o que eu sei funciona e que é necessário consultar um “GPS” pra acertar a rota; aprendi que a mesma chuva que faz crescer o alimento pra vida, pode causar morte quando estamos expostos a toda força por ela produzida; aprendi também que infelizmente, somos afligidos por circunstâncias que pareciam nunca mais tornar a repetir-se mas que vem sem aviso ou atenuações. Também foi possível aprender que mesmo que sejamos expostos a sofrimentos muitas vezes excruciantes, ainda sim, apesar deles, é possível encontrar um novo motivo para caminhar. 
Vai doer, vai ferir mas pode acreditar, a felicidade vai aparecer.
 Vai!

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