sábado, 30 de maio de 2020

O vendaval*



Tempos atrás, no litoral de São Paulo onde nasci, um vendaval causou muitos estragos... Árvores foram arrancadas, carros danificados e entre outras coisas, muitas telhas foram lançadas longe espatifado-se pelo chão. 

A maior parte delas por uma simples razão... Parte dos moradores da região costumavam manter as telhas de suas casas apenas encaixadas ou com algum 'peso' em cima, ignorando assim completamente uma boa fixação por parafusos. 

Quando penso na tolice que essas pessoas cometeram, recebendo o resultado do "barato que saiu caro", lembro que fazemos muitas vezes coisas parecidas a essa em outros aspectos da vida. 

Não estamos, quem sabe, "parafusados" em algo sólido na nossa caminhada, quando de repente, somos surpreendidos pelos "vendavais", jogados ao chão, quebrados, feitos aos pedaços, humilhados, sem valor... Apenas para depois termos os "cacos" recolhidos e descartados como se nunca houvéssemos sido úteis, como se nada fôssemos... 

Por isso penso que, se quero ter algum valor, se quero ser útil, se quero ser alguém, para eu mesmo e para outros, então é melhor que eu saiba onde estou FIRMADO, para que eu saiba QUEM SOU e PARA ONDE VOU!!!



*Escrito originalmente em 07 de setembro de 2013


domingo, 24 de maio de 2020

Chave perdida*

Há alguns anos, precisei resolver uma série de compromissos no centro de Santos. Voltando ao estacionamento onde havia deixado minha moto percebi, para a minha agonia, que não encontrava a chave. Procurei em todos os bolsos, em meus documentos, pasta, e nada... Então fiz o que todo mundo faz numa hora assim... Refiz o caminho, olhando para o chão como quem quisesse não deixar escapar um trecho ou centímetro sem ver, por não olhar com atenção para carros e pedestres, esbarrei várias vezes nos outros e fui quase atropelado uma dezena de vezes... Então voltei frustrado por não ter tido sucesso, andando devagar e desanimado imaginando a dificuldade que seria ir atrás de um chaveiro, comprovar que a moto era a minha, explicar pro gerente do estacionamento... etc, etc... Até que numa tentativa incrédula, perguntei a um dono de banca, na Praça da República,
(foto: Carlos Pimentel Mendes, em 6 de junho de 2007)

 se ele havia visto alguém encontrar uma chave como a minha... Já estava preparado para ouvir NÃO, quando ouvi um SIM (e olha que eu nem ia perguntar nada, ia passar direto)... Aquele homem então me disse: "Agora há pouco vi dois pedintes que guardam carros aqui na praça que disseram ter encontrado uma chave... Mas acho que saíram e voltam daqui a pouco"... Então resolvi esperar... Agora com um "fiapinho" de esperança... Passados alguns minutos, o homem me disse: "São eles"... corri até o tal pedinte (de mal aspecto todo maltrapilho) e perguntei: "Amigo perdi a chave da minha moto, e alguém me disse que você e seu amigo, talvez tenham achado uma???"... E aí o homem desfez a cara carrancuda e me disse... 'Sim guardei-a ali...' E me chamou até uma das tantas árvores que existem na praça e cuidadosamente guardada, lá estava ela... Que alívio!!! E ele me surpreendeu dizendo: "Deus me disse pra guardar a chave"... Grato, perguntei: Vocês almoçaram? E eles disseram: 'Não temos dinheiro'... Não pensei nenhum segundo e saquei uma quantidade razoável de dinheiro que nem sequer contei e entreguei a eles (era suficiente para entrarem num dos bons restaurantes da cidade e comerem muito bem)... Aí veio o chocante... Um deles ajoelhou-se aos meus pés (mas eu pedi que ele não fizesse isso, mas nem me ouviu) e agradeceu pelo dinheiro me dando um abraço forte e demorado e pediu pro outro amigo me abraçar também... Na verdade, eu estava tão feliz quanto eles... mas já não era mais pelas chaves... estava feliz por ter sido útil, por ter feito diferença pra aquelas pessoas... Na verdade, Deus pode usar as situações mais adversas para nos ensinar algo... Reafirmei naquele dia em mim, algo que acredito como fundamental.. "Nós não somos 'ilhas' somos na realidade e no mínimo - 'penínsulas', parte de algo muito maior, dependentes do 'continente'... Posso dizer a você que algo aparentemente tão simples assim (alguém encontrar uma chave e devolvê-la), foi uma das 'melhores perdas' da minha vida... Foi o dia em que perdi pouco e em troca ganhei MUITO"...

Escrito originalmente em 31 de agosto de 2013

domingo, 17 de maio de 2020

Placa fria*

Há alguns anos estive em um edifício lindíssimo!




Dentro dele há um complexo com lagos, cisnes, lindas carpas e até

um museu com carros de luxo do século passado, há também lindos animais que percorrem a área verde
e num dia lindo de sol, no alto do décimo andar, meu pai e eu olhávamos extasiados a bonita Santos e o lindo azul do oceano atlântico...

Caso você não conheça o local, seria difícil acreditar na minha afirmação de que estávamos no cemitério mais alto e num dos mais luxuosos do mundo.
Enquanto sepultava mais uma pessoa da minha família notei que os funcionários retiravam um saco azul que continha os restos mortais de um primo que para uma inevitável auto reflexão, quando vivo era muito parecido comigo (embora 5 anos mais jovem) que falecera em razão de uma tragédia, amplamente divulgada pela imprensa na época... Ai fiquei pensando enquanto olhava a cena e as outras lápides ao redor: "a gente corre, luta, chora, sorri.... sejamos quem formos ou tenhamos o que tivermos... Não importa se num cemitério de luxo ou numa cova rasa... Todos temos um limite, que nos iguala... Somos irmãos e humanos, na vida e na morte... Devemos ter em mente que antes de virarmos apenas um nome numa placa fria, podemos viver de modo pleno e digno, tornando a vida o que ela realmente é: Linda!!!"


*Escrito originalmente em 24 de agosto de 2013

sábado, 9 de maio de 2020

Desvio de rota



Eu estudava longe de casa e de segunda a sexta-feira eu fazia um percurso de cento e quarenta quilômetros.
Certo dia, deixei de ir em ônibus e preferi fazer o caminho de moto que era mais rápido e mais prático. Verifiquei tudo e parti em direção a Rodovia dos Imigrantes, caminho já conhecido pro mim. Cheguei para a aula sem problemas e ao fim de uma tarde muito produtiva de estudos, observei na saída do edifício que durante o tempo passado lá dentro, uma tempestade se formava rápida e turbulenta.
Eu não havia me preparado pra isso, tanto que não havia levado roupa protetora de chuva, mas confiava que antes que o temporal me atingisse, eu chegaria a tempo em casa.

Saí do estacionamento em direção ao centro da cidade e logo me deparei com os semáforos que pareciam mais demorados do que o costume. Acessei a Rodovia Anchieta com a intenção de me livrar rápido de seu intenso tráfego de caminhões que seguiam, em sua maioria para o porto de Santos e então, aliviado, peguei o acesso que me levaria a Imigrantes, que por sua vez me levaria rapidamente pra casa.
Como era fim de tarde, o clarão vespertino de repente havia se apagado e uma chuva fina me alcançou. Com pressa de não molhar-me mais, acelerei próximo do limite da rodovia mas o bom senso pela pista estar molhada me chamou a razão e desacelerei. Já aceitava como certo o “caldo” que levaria, sendo que instantes depois meu problema seria outro.

Enquanto divagava sobre a chateação que aquela chuva me causava, sem perceber, peguei um acesso que seguia para o interior do estado, que me afastava cada vez mais do meu destino. Depois de alguns minutos ao notar algo errado, liguei o GPS que eu tinha acoplado no painel e então vi o quanto eu já distava da minha rota original e o pior é que o retorno mais próximo ficava a dezenas de quilômetros e eu não tinha combustível suficiente para tanto. Minha tranquilidade virou uma enorme apreensão, enquanto a tempestade caía, o combustível se esvaía, carretas enormes passavam a toda velocidade por mim e eu já me imaginava no mínimo, passando a madrugada na estrada, sem poder ligar o celular embaixo de chuva e no máximo, morto embaixo daqueles eixos enormes.
Mas então resolvi parar no acostamento, me acalmar, e então calcular o que poderia fazer. Decidi buscar no mapa eletrônico, minha posição real e buscar mais rotas possíveis e um caminho alternativo apareceu na tela. Para minha grata satisfação, calculei que o que eu tinha de combustível era possível chegar a uma cidade que certamente teria um posto de combustível, que me resolveria a vida naquele momento. E assim eu fiz.
Imagine a alegria de encontrar um posto e ver a pessoa “mais linda do mundo”, motivo do meu sorriso: um frentista que eu nunca havia visto na vida!

Uma vez abastecido, segui de volta pra casa e a chuva já não me incomodava, nem o frio, nem a escuridão, nem o tempo perdido. O alívio de voltar em paz tornara todos os outros desconfortos em nada.
Daquele momento aprendi coisa para o tempo presente: aprendi que costumamos pegar estradas conhecidas na vida mas essa mesma estrada pode ser perdida, a depender do fator tempo, clima; aprendi que o desespero vem, mas que saídas também existem, muitas vezes não são as desejadas mas nem por isso deixam de ser saídas; aprendi que calma em meio ao desespero é possível embora muitas vezes nos pareçam impossível, mas ela funciona apenas se for solidificada em tempo de céu azul e vento fresco no rosto; aprendi que nem sempre o que eu sei funciona e que é necessário consultar um “GPS” pra acertar a rota; aprendi que a mesma chuva que faz crescer o alimento pra vida, pode causar morte quando estamos expostos a toda força por ela produzida; aprendi também que infelizmente, somos afligidos por circunstâncias que pareciam nunca mais tornar a repetir-se mas que vem sem aviso ou atenuações. Também foi possível aprender que mesmo que sejamos expostos a sofrimentos muitas vezes excruciantes, ainda sim, apesar deles, é possível encontrar um novo motivo para caminhar. 
Vai doer, vai ferir mas pode acreditar, a felicidade vai aparecer.
 Vai!

sábado, 2 de maio de 2020

Tanque seco



Em Maio de 2018 o Brasil viveu um período conturbado entre os dias 21 e 30 daquele mês, durante o governo do presidente Michel Temer.

O estopim para a greve de caminhoneiros autônomos (Crise do diesel), foram os reajustes frequentes e sem previsibilidade mínima nos preços dos combustíveis, principalmente do óleo diesel, realizados pela estatal Petrobras com frequência diária, pelo fim da cobrança de pedágio por eixo suspenso e pelo fim do PIS/Confins sobre o diesel.

Milhões de brasileiros, entre eles eu, desconheciam os detalhes geradores da crise, mas a sentiam na prática.

Em postos de combustível no Brasil, abastecer é até mais confortável do que nos Estados Unidos, onde para abastecer você precisa descer do carro, inserir o seu cartão de crédito, desengatar o injetor e abastecer. Já em nosso país, não temos a cultura do autoatendimento e contamos com o serviço de funcionários para isso, bastando entregar a chave, pagar e seguir viagem sem sair do conforto do banco. Algo rotineiro assim virou ‘passado’ na crise, e passamos a enfrentar filas enormes para abastecer, ou deixar o carro na garagem para usar o transporte publico, aulas foram suspensas, empresas fechadas, milhões de animais morreram por falta de ração, supermercados beiravam o vermelho no estoque, enfim, o caos parecia estabelecido.

Os nove dias de tumulto pareceram muitas semanas, em função dos transtornos causados, mas lembro que ao fim daquele período, o simples exercício de olhar para o odômetro, concluir a necessidade de combustível, escolher um posto, entrar e ter à espera o prestativo trabalho de um colaborador local, me traziam o alívio de ter de volta aquele serviço tão essencial e básico de nossa rotina.

Nosso olhar também foi voltado em especial para o caminhoneiro, trabalhador que quase literalmente leva o Brasil sobre seus eixos, sem o qual a nação para.

As coisas que nos cercam não são perenes, é preciso dar valor a todas as pessoas que desempenham as mais diferentes atividades e que nos possibilitam, pelos recursos que produzem e pelo serviço que prestam, conviver em sociedade.

Uma história contada por meu pai

  Acho interessante quando, mesmo em meio a era da internet de alta velocidade, com todas as inovações por ela trazidas, pais ainda contam ...