sábado, 11 de abril de 2020



Navio na neblina




Era o começo da década de 1990, minha família e eu estávamos voltando da visita que fizemos, em um certo dia, a uma tia minha. Morávamos em Guarujá e vindos de São Vicente, precisávamos navegar em uma barca que fazia a travessia do canal do estuário entre uma ilha e outra.

A travessia era costumeira, sendo feita ainda hoje, da mesma forma que há 30 anos. Mas algo habitual e rápido como esse percurso, tornou-se uma aventura tensa e perigosa, trazendo-nos momentos angustiantes.

A noite era nublada, mas não esperávamos uma repentina e intensa cerração, que desceu como uma imensa e pesada cortina a frente da embarcação, obrigando o comandante a parar a navegação. Com o desligar dos motores, a ventania balançava a barca, fazendo com que uma certa quantidade de água invadisse o primeiro piso, eu conseguia sentir os meus batimentos cardíacos resultantes do medo daquele momento. Havia o temor de que uma colisão com outra embarcação pudesse acontecer.

Alguns instantes depois, o receio parecia se materializar e assustadoramente um navio atracado ao cais, apareceu bem a nossa frente, fazendo com que o desastre parecesse inevitável. A ventania tinha tirado a nossa embarcação da rota correta e nos levado em direção a um imenso cargueiro transcontinental. Sentimos, para o nosso alívio e das dezenas de pessoas que estavam conosco, o ronco dos motores que com perícia e agilidade, foram acionados pelo comandante a tempo de nos desviar do impacto que parecia certo.

Não muito tempo depois, a neblina cedeu e pudemos então chegar ao nosso destino.

Que alívio sentimos ao pisar em terra firme, embora a memória daqueles instantes parecessem não se dissipar como a neblina que nos causou pânico.

Desse acontecimento fiz uma analogia com outras circunstâncias da vida: em nossa trajetória temos sempre a ideia de que decidiremos ir de um lugar a outro, de uma situação a outra, de uma decisão a outra, sem ponderar a ocorrência de possíveis intempéries. Quando estas aparecem, o medo parece ser a única coisa possível pois o otimismo parece não existir quando o fatal parece assumir o lugar do vital.

É bem verdade que muitas tempestades e densas neblinas, abatem e levam a pique muitas embarcações, mas nem sempre será a nossa. Sendo assim, voltar a navegar pode não ser das coisas mais fáceis a se fazer, mas é possível, porque só assim é possível chegar ao outro lado.

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